sexta-feira, dezembro 14, 2007

E ao mesmo tempo que sentia não pertencer a lado nenhum, tinha uma necessidade enorme, incontrolável, de ir desaparecendo dos sítios para ir para outros sítios. Duravam cinco dias a uma semana, estas saídas, e normalmente não avisava e não dava notícias. Porque eram estes afastamentos inexplicados e não reportados que lhe davam a sensação de isolamento. Quando voltava, tudo estava na mesma, menos a sua posição no grupo. Não se sentia só quando lá estava, mas bastavam 3 dias longe para que deixassem de sentir a sua falta. E isso era assim em todo o lado, mesmo nos esconderijos. Mesmo em casa. E não é que sofresse, já era um hábito, mas se pensasse nisso, se durante uma insónia se pusesse a pensar nisso, sabia que sofria. Só podia sofrer, ninguém aguenta sentir-se dispensável. Mas continuava a fazer tudo como antes, como sempre. Não dava grande atenção a ninguém que não fizesse parte do dia-a-dia imediato, mas não era falta de Amor. Simplesmente não sentia a falta de ninguém. Nem mesmo das pessoas mais óbvias. Declarava essa falta, na verdade, mas não a sentia. E não era de propósito, era um desprendimento de quem não quer sofrer, pensava. Não pertencia a lado nenhum porque os laços que criava podiam até ser intensos num primeiro momento, mas acabavam por enfraquecer, talvez devido aos seus próprios desaparecimentos. Ligava-se demais às rotinas que encontrava em cada sítio para onde ia, mas facilmente se desprendia. A vida sem âncoras onde voltar não deixa de ser uma vida solitária. E ninguém quer estar sozinho. Bem, pode ser que haja quem queira, Talvez quisesse, mas na verdade não o sabia. Na verdade não o sabia. A vida tinha sido fácil, nunca verdadeiramente perdera ninguém, mas não se dava, não se ligava. Sempre acreditara que sim, via-se como uma pessoa com muito para dar, via-se com alguém para a vida inteira, acreditava que se apaixonava com a maior das facilidades, mas a idade mostrou-lhe que não. E sentia falta desse vazio de quem sofre ou perde por Amor, mas que é um vazio preenchido pelo que sente. Durante meses orgulhou-se da incapacidade de amar. Chamava-lhe antes Controlo sobre o Amor. Mas com o tempo percebeu que não. Incapacidade de amar. E com o frio deixou de ter piada, deixou de ser um controlo de si aprendido numa noite gélida de Junho, com alguém desconhecido, passou a ser um deficit. Não chorava, já não sabia chorar. Não tinha razões para chorar porque não sofria. Sofria de vazio. Quando o vazio é um problema, é porque chegou a altura de chorar, de ter razões para chorar. Não se envolvia, não se empenhava em nada, não dava de si à mais simples das causas, não se entregava nem a si. Nem àquilo em que sempre acreditara. Não se empenhava no futuro, não acreditava no futuro.
E a sua palavra mais recorrente era Não.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Às Vezes vezes 8

Acontece-me várias vezes, se calhar até vezes de mais, ler ou ouvir ou pensar numa palavra e ter de a dizer em voz alta. Não vejo isto como uma compulsão, mas qualquer coisa em mim obriga-me a pronunciar a palavra para perceber o sentido. Ou só para a ouvir, às vezes soa bem. E não são necessariamente palavras estranhas ou pouco habituais, mas acontece-me às vezes. Não é uma compulsão, mas nunca é bem visto falar sozinha. Dou por mim muitas vezes a falar sozinha, coitadas das pessoas que se cruzam comigo e me vêem a contar-me histórias. Tenho uma relação com as palavras, as faladas principalmente - as escritas são um meio, mas também as adoro. Elas nunca me soam muito bem quando são ditas por mim e ouvidas por outros, mas se mais ninguém me ouve, gosto. Gosto de me adaptar aos estilos que leio, e não é raro ler um livro, como o que estou a ler agora, muito discursivo mas nada simples, e acomodar-me a esse estilo. Digo o que leio mesmo nas coisas mais banais. Há quem se assuste.
Num dia de sol como o de hoje, e ainda por cima num dia tão fora da rotina, o livro não me basta. Demoro sempre mais a ler nos dias de sol, porque tenho de olhar pela janela e ver o sol e pensar nisso tudo. É melhor do que quando leio de enfiada, em que às vezes parece que salto parágrafos, mas quando volto atrás já estou a repetir. Preciso das palavras, envolvo-me nelas, saio deste mundo para outro e outro qualquer, e vou sempre sozinha, tem piada, é sempre sozinha que mergulho nos meus livros e é sempre sozinha que olho de fora para o que deixei e para o que leio. Muitas vezes nem dou pelo tempo que demoro a fazer catorze estações, quando dou por mim já passaram 27 minutos. E esqueço-me, quase que é outro dia ou outra dimensão ou tenho coisas para fazer de que já me esqueci. E o caminho até casa é sempre mais demorado e comprido, ou sou eu que sou mais lenta porque ainda estou a tentar assimilar. Mas são bons estes dias de sol. Em que apetece sair do comboio e andar por ali, encontrar pessoas e ver se elas também falam sozinhas ou se sou só eu que encarno personagens que às vezes sou eu mesma.