quarta-feira, fevereiro 17, 2010

A Cotovia, Ultimamente: este post gostava de ter fins beneméritos.

Foi num dia de Janeiro. Um fim de tarde gélido, casaco de fazenda comprido, cachecol de três voltas, gorro à cabeça e luvas nas mãos.
Foi num dia difícil. Cheguei ao Saldanha à hora em ponto, apavorada com as probabilidades. Andei à procura pelas ruas, tinha um plano bem definido e potencialmente independente. Andei à procura mas não encontrei nada e Marguerite ficou para outra altura. Tinha tentando várias hipóteses e a decisão final foi ser sozinha, ia ser óptimo. Foi péssimo. E depois começou a chover e depois comecei a chorar, pequenina e o sozinha já não era a decisão madura que tinha sido. Um disparate.
Voltei, sozinha mas não tanto num comboio cheio e quente do ar condicionado. Ofereceu-me o jornal o senhor simpático ao meu lado, era um jornal bom e vinha em bom estado, e ele não ficava para o reaver: também não queria saber as horas dos cinemas.
Depois foi o resto, 1km a pé até casa, escuro escuro escuro mas não mete medo - este escuro não mete medo -, até sabe a vida em Paris e cidades grandes independentes. Por pouco.
Era uma velhinha minúscula com dois sacos do minipreço enormes (e o minipreço não era assim tão perto) mais a carteira e um braço partido. O cabelo arranjadinho, casaco de inverno como os das nossas avós, dava-me pelo ombro - era mínima.
Primeiro passei, estava zangada com o meu dia. Mas a velhinha não tinha culpa de eu não ter encontrado o Institut nem de estar a chover. Então voltei. Tive de pedir para lhe levar os sacos e tive de insistir para levar os dois - e não o menos pesado, como sugeriu. Morava logo ali e um dos nove cães com quem vivia, que tinha encontrado na rua, era responsável pelo gesso - que já não era gesso, mas não sei como é que se chama quando se tira o gesso.
Aida Cordeiro. Eu não conhecia esta senhora nem o nome dela. Professora da primária, escreve livros para crianças, ilustra, escreve poesia e encontra miúdas na estrada para as salvar. E cães abandonados.
- Escrevi um livro novo, A Cotovia Ultimamente, está muito bonito.
Claro que está, minha senhora, um livro que se chama a cotovia ultimamente só pode ser muito bonito. A senhora também é muito bonita.
- Devia ter um carrinho daqueles de levar as compras.
Depois prometeu-me um livro, mas ficou para outro dia. Nunca ninguém me tinha dito que eu era um anjo que lhe veio do céu. A Aida Cordeiro também foi um anjo que me apareceu no caminho para casa, e que não estava em casa quando lá voltei.
Agora não sei se existe mesmo ou se me apareceu só para me salvar aquele dia.

4 comentários:

José Ventura disse...

=)

Madalena disse...

estava à tua espera à porta do minipreço.

Anónimo disse...

lindo pimA

fhorganbiscaia disse...

que beleza!