sexta-feira, dezembro 14, 2007

E ao mesmo tempo que sentia não pertencer a lado nenhum, tinha uma necessidade enorme, incontrolável, de ir desaparecendo dos sítios para ir para outros sítios. Duravam cinco dias a uma semana, estas saídas, e normalmente não avisava e não dava notícias. Porque eram estes afastamentos inexplicados e não reportados que lhe davam a sensação de isolamento. Quando voltava, tudo estava na mesma, menos a sua posição no grupo. Não se sentia só quando lá estava, mas bastavam 3 dias longe para que deixassem de sentir a sua falta. E isso era assim em todo o lado, mesmo nos esconderijos. Mesmo em casa. E não é que sofresse, já era um hábito, mas se pensasse nisso, se durante uma insónia se pusesse a pensar nisso, sabia que sofria. Só podia sofrer, ninguém aguenta sentir-se dispensável. Mas continuava a fazer tudo como antes, como sempre. Não dava grande atenção a ninguém que não fizesse parte do dia-a-dia imediato, mas não era falta de Amor. Simplesmente não sentia a falta de ninguém. Nem mesmo das pessoas mais óbvias. Declarava essa falta, na verdade, mas não a sentia. E não era de propósito, era um desprendimento de quem não quer sofrer, pensava. Não pertencia a lado nenhum porque os laços que criava podiam até ser intensos num primeiro momento, mas acabavam por enfraquecer, talvez devido aos seus próprios desaparecimentos. Ligava-se demais às rotinas que encontrava em cada sítio para onde ia, mas facilmente se desprendia. A vida sem âncoras onde voltar não deixa de ser uma vida solitária. E ninguém quer estar sozinho. Bem, pode ser que haja quem queira, Talvez quisesse, mas na verdade não o sabia. Na verdade não o sabia. A vida tinha sido fácil, nunca verdadeiramente perdera ninguém, mas não se dava, não se ligava. Sempre acreditara que sim, via-se como uma pessoa com muito para dar, via-se com alguém para a vida inteira, acreditava que se apaixonava com a maior das facilidades, mas a idade mostrou-lhe que não. E sentia falta desse vazio de quem sofre ou perde por Amor, mas que é um vazio preenchido pelo que sente. Durante meses orgulhou-se da incapacidade de amar. Chamava-lhe antes Controlo sobre o Amor. Mas com o tempo percebeu que não. Incapacidade de amar. E com o frio deixou de ter piada, deixou de ser um controlo de si aprendido numa noite gélida de Junho, com alguém desconhecido, passou a ser um deficit. Não chorava, já não sabia chorar. Não tinha razões para chorar porque não sofria. Sofria de vazio. Quando o vazio é um problema, é porque chegou a altura de chorar, de ter razões para chorar. Não se envolvia, não se empenhava em nada, não dava de si à mais simples das causas, não se entregava nem a si. Nem àquilo em que sempre acreditara. Não se empenhava no futuro, não acreditava no futuro.
E a sua palavra mais recorrente era Não.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Às Vezes vezes 8

Acontece-me várias vezes, se calhar até vezes de mais, ler ou ouvir ou pensar numa palavra e ter de a dizer em voz alta. Não vejo isto como uma compulsão, mas qualquer coisa em mim obriga-me a pronunciar a palavra para perceber o sentido. Ou só para a ouvir, às vezes soa bem. E não são necessariamente palavras estranhas ou pouco habituais, mas acontece-me às vezes. Não é uma compulsão, mas nunca é bem visto falar sozinha. Dou por mim muitas vezes a falar sozinha, coitadas das pessoas que se cruzam comigo e me vêem a contar-me histórias. Tenho uma relação com as palavras, as faladas principalmente - as escritas são um meio, mas também as adoro. Elas nunca me soam muito bem quando são ditas por mim e ouvidas por outros, mas se mais ninguém me ouve, gosto. Gosto de me adaptar aos estilos que leio, e não é raro ler um livro, como o que estou a ler agora, muito discursivo mas nada simples, e acomodar-me a esse estilo. Digo o que leio mesmo nas coisas mais banais. Há quem se assuste.
Num dia de sol como o de hoje, e ainda por cima num dia tão fora da rotina, o livro não me basta. Demoro sempre mais a ler nos dias de sol, porque tenho de olhar pela janela e ver o sol e pensar nisso tudo. É melhor do que quando leio de enfiada, em que às vezes parece que salto parágrafos, mas quando volto atrás já estou a repetir. Preciso das palavras, envolvo-me nelas, saio deste mundo para outro e outro qualquer, e vou sempre sozinha, tem piada, é sempre sozinha que mergulho nos meus livros e é sempre sozinha que olho de fora para o que deixei e para o que leio. Muitas vezes nem dou pelo tempo que demoro a fazer catorze estações, quando dou por mim já passaram 27 minutos. E esqueço-me, quase que é outro dia ou outra dimensão ou tenho coisas para fazer de que já me esqueci. E o caminho até casa é sempre mais demorado e comprido, ou sou eu que sou mais lenta porque ainda estou a tentar assimilar. Mas são bons estes dias de sol. Em que apetece sair do comboio e andar por ali, encontrar pessoas e ver se elas também falam sozinhas ou se sou só eu que encarno personagens que às vezes sou eu mesma.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Fica

A minha hora é a noite. O meu elemento é o ar. Em movimento. Vento. Sentada no escuro de olhos fechados, oiço o vento e encho o peito de tudo o que ele me traz de ti. Mãos de vento que me secam lágrimas e calam gritos, mãos que me tocam, me abraçam e sacodem. Mãos de vento cheias da sombra que me cobre, que te afasta de mim. Enchem-se de vento os ouvidos, de vento os cabelos, cega-me a poeira que levantam teus passos. Porque partes. Não vás. Fica comigo

terça-feira, outubro 30, 2007

Primeiro dia (noite) de aulas II

(Encontrão)
- Desculpe.
- Não faz mal.
(Segundo encontrão)
- Desculpe.
- Não faz mal.
(Risinhos)
- E como é que estão as coisas lá na tua universidAde?
- Estão boUas, as gajas são giras.
- E simpÁticas, são simpÁticas?
- Sim, dá para fazer amizades!
- Fazer amizades é brutAl!
- Podes crer! Acho mesmo engrAçado quando vais no metro e metes conversa com a miúda que 'tá ao teu lAdo!
- Pá, ya! Isso nunca me aconteceu, mas sempre pensei nessa cena!
- Pois é, é como diz a boUa educação, fEchas o livro e dizes olÁ!
(risinhos)
- Sim, fEchas o livro e dizes olÁ!
(risinhos)
A sequência de frases cretinas repete-se, acompanham-na gestos, risos risos e risos. Mas risos porquê?? A conversa é estúpida, incomoda quem está ao lado, e não vai levar a lado nenhum. A miúda que lê um livro ao vosso lado não vai fechar o livro nem dizer Olá! Está mais concentrada em tentar não ouvir a vossa conversa ridícula, ouve a música pesada e aos gritos no MP3 do miúdo que está à frente dela.
Uma pessoa acaba de ter cinco horas de aulas. Estatística, ainda por cima. São 23h30, uma pessoa está cansada, não lhe apetece ter de fingir que não vos ouve. Voltem lá para Rio Tinto ou Gaia ou Fafe de onde vieram e não me chateiem! Deixem-me ler o meu livro. Até podia ser uma réplica da lista telefónica, essa miúda não vai levantar os olhos do livro para vos dizer olá, porque já a chatearam tempo demais com essa conversa ridícula. Vai continuar a fingir que vocês não existem!
Aprendam: quando quiserem que uma miúda que lê um livro no metro vos diga olá, não falem um para ou outro, falem directamente para ela, senão estão a ser estúpidos e pouco inteligentes, ninguém quer dizer olá a um tipo com sotaque do Norte profundo que ainda por cima é pouco inteligente.

Primeiro dia (noite) de aulas

Metro Cidade Universitária.
Saída Hospital de Sta Maria.
Sempre em frente ao longo da Avenida Professor Gama Pinto.
Parada no sinal encarnado, à espera do verde.
Desconhecido do outro lado da estrada, à espera do verde.
Nada de especial chama a atenção por falta de óculos e dificuldades de visão nocturna.
Sinal verde.
Desconhecido giríssimo cheio de embrulhos nas mãos e Desconhecida pronta para as aulas de frente um para o outro, hesitação no meio da passadeira para escolher quem vai pela direita e quem pela esquerda.
Sorriso.
Sorriso.

sábado, outubro 27, 2007

Trabalho, procura-se!

Faço revisão e correcção de textos.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Retournée

Voltar a casa não é difícil.
Não é difícil quando tenho um abraço de Pai à espera no aeroporto.
Não é difícil se tenho a casa quentinha e cheia de flores. A Mãe à minha espera para falar. Os risos de sempre da minha casa. Sintra. Dormir em Sintra. Jantar com todas. Amigos que aparecem.
Não é difícil. É bom.
É bom estar numa casa onde não se consegue ler um livro sossegada. É bom uma casa que tem um sofá. Cortinas. Tapetes. Gente. Risos. Calor. Novidades novinhas em folha. Manas.
Tinha medo de chegar e ver que tudo estava na mesma. É bom chegar e ver que está. Menos eu.
Cresci.
Estou preparada para voltar para esta casa e esta família, que me abraça e que está em casa, mesmo quando não está.
Sinto-me segura no silêncio do sono dos quartos ao lado.
Não foi um fracasso. Não perdi nada.
Cresci. Tens razão, Marta, cresci.
Não consigo dormir, mas gosto de ouvir a Filipa na cama ao lado, gosto de saber que amanhã, mais cedo do que eu queria, vou acordar com o movimento da minha casa. A Minha Casa. É esta. Nunca foi um 5º andar vazio.
Paris foi bom pelo que foi e pelo que trouxe, mas esta é a minha Casa, aqui sou mais Vera.
Cresci, e posso voltar para casa, onde vão gostar mais de mim, estou melhor - vi o que não quero ser.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Medo

de cães
do escuro
de andar de carro à noite quando não tenho os óculos
de gente estranha na rua
de morrer
de ser atropelada
de ter um desastre e ninguém saber
de não poder ter filhos
de ter filhos
de palhaços
de nunca mais deixar de ter calor
de nunca mais deixar de ter frio
de fogo de artifício
de barulhos muito intensos no geral
de ser raptada
de enlouquecer
de falar em público
de vespas (não de abelhas, só de vespas)
de nunca mais conseguir dormir uma noite inteira
de não conseguir acabar uma coisa muito importante que comecei
de ver filmes de terror
de nunca chegar a perceber o que é que quero realmente fazer
de nunca me vir a entregar 100% ao que faço
de perder o que já foi
de esquecer
de ver cada dia pior
de agulhas
do mar da Praia Grande, às vezes
da Estrada da Pena à noite, sozinha no carro
de trovoada
de voltar para Lisboa daqui a dois dias e ver que está tudo igual. E eu também.


domingo, outubro 21, 2007

ULTIMOS DIAS
Está muito incongruente, este meu blog.

terça-feira, outubro 16, 2007

Maison de Portugal

Depois de chegar a uma certeza e de uma noite sem conseguir dormir sobre essa certeza vem sempre um dia difícil. E se esse dia acabar por derrubar essa certeza, posso esperar por uma noite impossível. Acabo de descobrir o que procurava em Paris. Mas não em mim e não na minha vida. Viver no 8éme nao é um estrondo, como eu pensava. Acabei de descobrir o que é Erasmus, mas não o meu erasmus. E acabei de descobrir que tudo o que escrevi aqui antes não passou de ilusão: a janela de oportunidades que se abriu em Maio acabou por ser a mais castradora das experiências. E quase desisti de tudo sem saber o que era tudo. E agora voltei à incerteza.
Já sei que quero viver em Paris mas não sozinha em Paris, mas não sei como vou fazer para conseguir isso. Já sei que preciso de um trabalho, mas este não me serve, quero outro. E o mestrado é secundário, há muito mais para viver aqui, e a falta de 18 créditos não passa de um pormenor. Mais um ano? O que é isso, comparado com 3 meses aqui? E descobri tudo isto em 50 minutos numa maison de portugal na cité universitaire, com não sei quantos portugueses que vieram cá fazer o mesmo que eu, mas que encontraram uma vida muito diferente da que eu tive. Tenho de ficar. Tenho de encontrar o meu lugar em Paris, afinal o que eu imaginei existe e não é assim tão inalcançável. Um esforço, não me parece que seja muito mais do que isso. Tenho de me encontrar, tenho de perceber o que quero (ou antes: tenho de perceber como chegar ao que quero). Obrigada J. Paris por outros olhos.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Rue Clément Marot

1 mês de Paris.
A verdade? Não sei o que escrever.

terça-feira, outubro 09, 2007

Russie Blanche

Uma manhã. Menos, uma hora dessa manhã. É o que basta para decidir o fim de tudo. Um metro de pessoa. Meses de preparação, noites sem dormir a antecipar tudo. Para afinal nada ser como se pensa, e tudo escorre devagar enquanto subo cinco andares. Fazer malas e voar? Já? Vale a pena esperar mais? Vale a pena procurar noutro lugar? Vale a pena acreditar que vale a pena? Entrego-me muito facilmente. Talvez. Mas não foi fácil, nada aqui foi fácil. Eu não desisto, perder as forças não é desistir. Quando se torna impossível, o que é que se pode fazer? Não depende só de mim, mas estoiro de pensar que depende de uma pessoa que não é uma pessoa. Antinatura. Vais ficar sozinha, minha pequena, tenho muita pena.
- Tout le monde va partir.
- Sauf maman.
Está bem, acredita nisso! Tenho pena de ti, a tua brancura não te vai salvar, porque ela não é pureza, mas doença. Não é inocência, mas dissimulação. A brancura transparente e esverdeada dos vilões. Rezo por ti, não ficas na minha vida depois de me ir embora, mas ficas na tua. E ninguém aguenta alguém assim, nem tu mesma. Acima de tudo, tu mesma.
E não sei quem és na vida para escrever sobre ti. Mas tens o poder de destruir sonhos.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Michael Ondaatje II

"Quando alguém fala, ele observa-lhe a boca e não os olhos com as suas cores, a seu ver sempre mutaveis, consoante a luz de uma sala, o momento do dia. As bocas revelam a insegurança ou a presunção ou qualquer outro ponto do espectro do caracter. Para ele são a feição mais complexa de um rosto. Ele nunca sabe ao certo o que uns olhos revelam. Mas consegue descortinar nas bocas uma nuvem de indiferença, uma sugestão de ternura. È facil avaliar erradamente um par de olhos, pela forma como reagem a um simples raio de sol."

In The English Patient





Este livro fala demais sobre mim

Michael Ondaatje

"Kip sai do campo onde andou a cavar, a mão esquerda erguida diante do corpo como se a tivesse magoado.
Passa pelo espantalho da horta de Hana, o crucifixo com latas penduradas e sobe a encosta em direcção à villa. Ampara a mão com a outra, como se resguardasse a chama de uma vela. Hana sai para o terraço, ao seu encontro, e ele pega-lhe na mão e encosta-a à sua. A joaninha que corre em volta da unha do dedo mìnimo passa rapidamente para o pulso dela.
Hana volta para dentro de casa. Agora é ela que leva a mão erguida à sua frente. Atravessa a cozinha e sobe a escada.
O doente vira-se para ela ao ouvi-la entrar. Ela toca-lhe no pé com a mão onde traz a joaninha. O bicho abandona o seu dedo, trocando-o pela pele escura. Evitando o mar de lençòis, inicia a longa caminhada qté ao outro extremo do corpo do doente, mancha vermelho-vivo sobre aquela carne vulcanica."


In The English Patient

Paris

Ja passaram duas semanas. Duas. 2. Ja quis desistir, largar tudo e voltar ao quentinho da minha vida. Ja ocupei o meu espaço numa casa onde não posso ficar mas onde adoro dançar e dormir numa cama grande, onde gosto das manhãs de domingo ao sol. Ja sei fazer umas perguntas nesta lingua redonda, circular, sempre circular e que me cansa, é verdade. Ja comprei dois jornais e uma revista para ir treinando e poder deixar de me cansar tanto. Ja sei que quero ficar, mas que para isso talvez tenha de mudar algumas coisas. Ja pensei em procurar essas coisas que tenho de mudar, uma casa que possa tambem aprender a amar, um trabalho. Ja me deitei na relva, como eles, ao domingo, e também durante a semana, à hora de almoço. Ja conheço mais ou menos este teclado onde o A e o Q estão trocados, onde o til não é muito facil, onde é preciso fazer shift para usar um ponto.
Gosto desta cidade e desta minha vida, apesar das imensas saudades - saudades de pequenas coisas que eram mais do que dado adquirido: estavam tão entranhadas na minha vida que eu nem dava por elas. E agora valorizo. E sinto falta. Não é facil estar longe, mas com o tempo pode ser que este longe se aproxime. De mim, quero eu dizer. Paris

domingo, setembro 09, 2007

Coquette


Em arrumações para a partida - daqui a dois dias - descobri que tenho 33 pares de sapatos.

quinta-feira, setembro 06, 2007

5 Dias

Daqui a cinco dias vou tomar banho, vestir o pijama e adormecer em Paris pela primeira vez. Quando escolhi Paris e me candidatei, nunca imaginei que este dia chegasse tão depressa. E se não pensei noutra coisa senão nisso durante os últimos cinco meses, o que me apetece agora, o que não me sai da cabeça é quem me dera poder voltar atrás e pensar melhor. Não me apetece Paris agora. Não me apetece sair da minha vida, largar tudo e ficar lá sozinha. E por antecipação sinto-me sozinha. Não me apetece. Vai mudar, eu sei que quando chegar lá fico deslumbrada e choro só de pensar em vir-me embora. É assim que funciona, não é? Mas, e agora? Como é que giro as contradições todas? Como é que explico a mim mesma que foi a minha melhor decisão, que vai ser óptimo e que vou adorar, como é que me explico que nada fica para trás e posso sempre voltar à minha Vida? Ou que a minha Vida vai comigo? Que a minha Vida sou eu e os Passos que dou? Porque é assim que as coisas são, não é? As dúvidas ficam pelo caminho, nem chegam a sair do avião, pois não?
Alguém sabe a resposta? Porque o que me parece é que eu sei e digo todas as respostas, não consigo é ouvi-las!
Alguém sabe a resposta?

segunda-feira, julho 16, 2007

50 Minutos

Conheciam-se desde sempre, e desde sempre uma qualquer electricidade corria entre eles. Era uma coisa altamente física mas era mais do que isso. Uma amizade profunda que se deixava perfurar pela atracção. Não se falava sobre isso, entre eles, mas toda a gente sabia e esperava. Era previsível, mas impraticável. Até ao dia em que deixou de ser inocente. A tensão era insuportável, sentia-se no ar entre eles. Os olhos ardiam, de tanta fixidez. Quem deles seria capaz de quebrar a corrente e dar um primeiro passo? Nenhum dos dois se atrevia, porque abrir um precedente significava ir até ao fim. Sem reservas. Sem pensar, mas sem consequências depois. Porque tudo continuaria na mesma, só a electricidade corrente poderia desaparecer. Poderia, mas sem certezas. Quem é que podia garantir que essa consumação não iria transformar uma amizade profunda entre um homem e uma mulher, nada inocente mas, ainda assim, platónico, no Amor de uma vida? Nenhum dos dois sabia se queria uma coisa assim, mas os dois conheciam as consequências. Não havia nada a perder, mas nem ele nem ela se mexeram. Durante cinquenta longos minutos escorridos nos vidros embaciados do carro. Não se tocavam, mas sentiam a vibração da pele um do outro. Desejo puro, que se sente, se respira, que tem cheiro e que quase se ouve nas células. Um único movimento contradizente e acabava-se o momento. Um desviar dos olhos. O silêncio não magoa, porque não existe. Respiração, corpos vibrantes, a chuva em cima do tejadilho. Calor insuportável. No momento em que ela decidiu mexer a cabeça para olhar para a rua, ele fez um movimento brusco, agarrou-a pelos ombros com força e puxou-a para si com as duas mãos. O beijo que a recebeu não foi ansioso, como esperava, mas fresco e leve, sem deixar de ser intenso. Ele agarrou-a mais e as mãos perderam-se nos cabelos cheios de vento e areia, despenteados pelo sal. E o que ela sentiu foi muito mais do que uma amizade profunda encerrada no desejo, foi muito mais do que electricidade e células vibrantes. Foi Amor. Amor puro. O Amor de uma vida e para toda a vida. E nesse momento, ela, como ele, teve a certeza que cada um dos cinquenta minutos que escorreram no relógio do carro valera tanto como cem anos de vida ao lado da vida dele.

domingo, julho 01, 2007

Coisas que acontecem na Baía

- Sabe o que é que se está a passar aqui?
- Sim, é o campeonato mundial de vela.
- E sabe até quando é que é? Uma amiga minha vai chegar dos Estados Unidos e queria saber.
- Tem lume? Só começa na 3ª feira, mas vai até meio do mês. Porque é que tem uma guitarra?
- Sou músico. Passei aqui e pensei: se começar a tocar para esta miúda, pode ser que ela me caia nos braços.
- Não me parece.
- Como é que se chama?
- Vera. E você?
- Nuno.
- Não quer tocar qualquer coisa?
- Sim. Se não gostar pode gozar comigo, se gostar pode dar-me um beijinho.
- Também não me parece. Toca em algum sítio?
- Toco numa escola, num hospital e num lar de velhinhos. Não toco em sítios mais comerciais. Mas devia. Escrevi um livro, tinha aqui dois, podia dar-lhe um, mas dei agora a amigos meus.
- Também escreve? O quê?
- Sim, escrevo poesia. E também ilustro.

(Eu Sei que vou te Amar, Caetano Veloso)

- Porque é que estás sentada neste muro sozinha?
- Estou à espera de um amigo meu.
- Estou agora a vender um cd, também não tenho aqui nenhum. Ainda não percebi porque é que estás aqui sentada.
- Estou a trabalhar no campeonato, mas já me vim embora e agora estou à espera de um amigo meu. Se alguém atirar moedas, dividimos os lucros.
- Está bem.
...
- Vera, vou-me embora. Um dia encontramo-nos outra vez por aí.
- Adeus, obrigada pela música.
- Adeus.


E o Nuno foi-se embora com a guitarra às costas, o mesmo ar boémio com que apareceu, nas suas sandálias de turista e barba por fazer. Não sei se um dia o encontro por aí outra vez, mas a música dele ficou comigo até acabar de se pôr o sol.

quinta-feira, junho 28, 2007

Mãe grande, Filha pequena

Sabe, mãe, fico contente que voe comigo no sol velho de Setembro. Fico contente porque sinto que me leva de mão dada até à porta da minha liberdade, para se despedir de mim onde eu já vou ter de ser crescida. É difícil para mim. Para si, é difícil? Sabe, mãe, vai ser bom começar Paris ainda consigo, ser entregue por si ao meu próximo ano. Já me custa. Apesar da euforia, já me custa saber que durante muito tempo não vou ouvi-la a chegar a casa, mãe, nem acordar com a sua voz a tomar o pequeno-almoço na cozinha. Vai ter saudades minhas, mãe? Vai sentir falta dos meus Nãos-Sistemáticos e da secretária num caos? Da minha inexistência de abraços? Vai ter saudades minhas nos jantares de segunda-feira? Tenha, porque eu vou morrer de saudades suas, Mãe.

terça-feira, junho 26, 2007

5

Estamos a crescer!
Lembram-se quando éramos iguais? Vestidas de igual? Umas mais contentes do que outras, mas iguais. Lembram-se que tínhamos um príncipe que nos salvava do que quer que fosse preciso, que nos levava para cima ao colo quando estávamos a dormir (e éramos cinco! Ele era mesmo forte!!)? Lembram-se que quase lutávamos para ver quem era a preferida, quem é que ficava no meio, quem é que ficava com a almofada melhor (a do príncipe, claro!)?
Acordávamos cedo no Verão e havia mil cores para ver naquela caixa, ficávamos coladas pelo calor, chega-te para lá que estás no meu espaço! tira os pés de cima de mim! essa almofada é minha!! E às vezes os grandes acordavam muito chateados porque se tinham deitado tarde e nós tínhamos feito barulho! E quando havia crocodilos no mar? Tínhamos de saltar de ilha em ilha sem sermos apanhadas (mas se alguma fosse apanhada, estavam lá as outras para salvar). Lembram-se? Não te armes em grande! Não és minha mãe!!! E as viagens? Umas que achavam que tinham direito a lugares marcados só porque "enjoavam"... uns quilómetros depois já dormíamos na parte de trás, fazíamos autênticas cabanas, mas giro mesmo era quando a mãe também fazia cabanas connosco para dormir lá atrás! E uma crescida, mas uma de nós, ia à frente com o pai (Eu!! Eu!!). O cheiro da chegada ao Algarve, sempre à noite (porque nunca saímos de casa antes do almoço, como se pretendia, mas lá para as seis da tarde). E os primos. E as férias em Sintra, cabanas diferentes todos os dias, e jantares de domingo, e mais primos, e não queremos ir para a praia porque as ondas são muito grandes e está frio! Ficamos aqui para subir ao Castelo dos Mouros, apanhar maçãs, pedir boleia de mota ao Avô, ir encher a barriga de travesseiros se já fossemos das crescidas. Lembram-se de nós assim? Eu não me lembro de sermos três, mas lembro-me quando chegou a Quinta, era muito encarnada.
E agora já somos grandes. Umas de nós saem de casa, saem até de Portugal. Outras geram crianças, logo todas ganham um novo estatuto social. Umas preparam-se para ser a base de milhões de pequenos infantes, e outras treinam o seu sorriso de estrelas.
Estamos crescidas, mas estamos iguais. E continuamos iguais umas às outras. E adoramo-nos e suportamo-nos quando é preciso, e mesmo quando uma está mais longe, somos todas. E divertimo-nos tanto, não acham? Mesmo quando abusamos das coisas umas das outras ou uma está mais em baixo ou mais mal disposta. Vocês são as minhas pessoas preferidas, são todas as minhas sisters-best-friends (sim, até tu!).
E somos o orgulho de um príncipe que agora passou o rio, mas que continua aqui em nós todas. E tenho o maior orgulho de sempre em vocês e em nós todas.
Nem todas temos uma cicatriz abdominal em comum, mas é como se tivéssemos.

segunda-feira, junho 25, 2007

Vi há pouco tempo o anúncio do leite Matinal e fiquei contente. A marca trocou o antigo slogan (toda agente se lembra do fatídico "se eu não gostar de mim, quem gostará?") pela mensagem inversa: Se eu gostar de mim, quem não gostará? Fiquei feliz com esta mudança (de atitude, principalmente!): passaram de uma mensagem derrotista e desesperada para uma muito mais motivacional.
De facto, o antigo slogan promovia uma ideia de solidão emocional, do género ao-menos-posso-contar-comigo-já-que-não-posso-contar-com-mais-ninguém. Erro crasso!
Acredito realmente nesta máxima de que o Amor próprio gera o Amor do próximo.
Sim, faz sentido aprendermos a contar com nós próprios, lidar com a solidão e gostarmos da nossa companhia.Isso traz auto-estima.
Não, não faz sentido ficar por aí. É importante sabermos ver que o gostarmos de nós torna-nos pessoas mais interessantes, ficamos mais bonitos, e como estamos bem, há a tendência para as pessoas se aproximarem. E gostarem também de nós (efeito camaleão?.... Sim, no seu melhor). A minha ideia é esta: se estou confiante (sem ser arrogantemente insuportável), a pessoa que está à minha frente vai querer perceber o porquê disso, e interessa-se. Será? Não sei, talvez esta seja a resposta mais óbvia. Merece reflexão.
Estou mesmo contente com esta mudança na estratégia da Matinal; eu nem gosto de leite, mas por causa deste pormenor, fidelizo-me à marca.
Acho que já chega de dizer ao público: você é uma merda, precisa de nós para ficar assim (linda de morrer, six-pack definido, inteligente, popular, rico, etc, etc, etc, etc).
A minha mãe, com as suas mil teorias, viveu 22 anos a tentar incutir-me esta mentalidade, e eu acredito nela; gosto de saber que esta mensagem passa para todos os portugueses com acesso à televisão nacional.
Gostem de vocês!
Boas férias!

quinta-feira, junho 14, 2007

Now That...





I'm sleeping with the light on

quarta-feira, junho 13, 2007

Racionalizando

Não gosto de olhar para mim e ver que tive a imaturidade de confundir a luz artificial de uma lâmpada de 60w pela luz quente e reconfortante de um sol de manhã. Não gosto que uma poça de água parada desde sempre me tenha enganado e fingido que era o mar. Não aceito a minha vida assim, não me aceito. Sou tão maior que isso, sou inteligente o suficiente para desligar o interruptor, porque a lâmpada já se fundiu. Não preciso disso; posso abrir as cortinas, simplesmente, e deixar o sol aquecer a minha sala e o meu coração. Tenho flores em mim para sempre que eu quiser vê-las (R), tenho um abraço grande que abarca tudo o que quero amar na vida. Eu incluída.

quinta-feira, junho 07, 2007

CLICHÉ [II]

- A melody is like seeing someone for the first time. The physical attraction. Sex.
- I so get that.
- But then, as you get to know the person, that's the lyrics. Their story. Who they are underneath. It's the combination of the two that makes it magic.



Inacreditável como se segue um padrão: Sou a típica que gosta da musica pela Musica. Nem nunca percebo lá muito bem o que diz a letra. Falha semântica? Falha humana? Falha minha? ou gosto só de dançar e tento não poetizar demais a vida? Que falta de sentido, desnexo em mim.
É isto que me está a faltar? É aqui que eu estou a falhar? Ou espero só que alguém tenha a coragem de me mostrar The lyrics? Espero ou Procuro? Ou Descubro?

domingo, junho 03, 2007

Futura Morada


É aqui que, a partir de Setembro, me podem encontrar - Rue du Boccador, Paris. Não faço ideia de qual destas janelas maravilhosas em águas furtadas será o meu estúdio, mas já dá para imaginar! Mais que nunca, estou ansiosa para começar a fase parisiense que me espera! Vai ser um estrondo (que excitamento!!!!!!!!!).

sábado, junho 02, 2007


STEP FORWARD

quinta-feira, maio 31, 2007

CLICHÉ [I]

- See that's the fun of the Tuna Pasta Toss. Because it's fun and it's easy. And when you're cooking for one, it's really important to look forward to the end result. You know?
- What if you want to make it for two?
- ... It's a little bit more complicated, but I think it can be done. Um... I see some of you have already gone ahead and added your carrots and your pickled relish and remember that some people like dill.
- Even before I met you I had an instinct about you. Once I saw you were a woman with profound static cling I wanted to be that force around you.
- Personally I love dill. I think it's not used enough and very underated, sorta like mayonaisse and I also really love olive oil for tuna.
- I love that when I breathe you in you smell like cake batter. And I love that you have this insane way of talking in circles that makes perfect sense.
- I do? Cause sometimes I feel like nobody understands me. But...
- Me. I get you.

Does anyone get me when I make this bullshit small talk, talking in circles, meaning the clearest simple thing that noone understands?

quinta-feira, maio 03, 2007

Janela de Oportunidades



E Paris é uma realidade cada vez mais próxima.

terça-feira, abril 24, 2007

ERASMUS



É verdade!! É mesmo verdade. Nem quero acreditar que vou viver um ano em Paris, CAPITAL DO MUNDO!! A Gui, tão querida, mesmo antes de saber que a resposta era sim, trouxe-me um livro-guia de Paris, mesmo giro, muito completo. É folhear o meu livrinho novo e ver-me a passear nesta cidade, rua por rua, museu por museu, conhecer Paris melhor do que conheço Lisboa.

Tudo o que eu queria, mesmo o que eu estou a precisar: sair deste mundo do tamanho de uma noz, descobrir, melhor ainda do que com o Brasil e Stuttgart, que o mundo é imenso e há milhões de pessoas para encontrar, para eu conhecer. Claro que ao mesmo tempo estou assustada (o mundo é tão grande, assusta mesmo!!), mas tenho a certeza que vou ser capaz, que vou ser mesmo crescida, que vou CRESCER. Tanto! Este é o meu sonho. Já começou a realizar-se. Estou feliz (ainda por cima o meu carro voltou hoje da oficina, está lindo outra vez!).

Paris, até já!

segunda-feira, março 26, 2007

- Do you love her?

- I don't know.

- It's good that you're trying. You wouldn't be you if you weren't the kind of person who's trying to make it work.

- Do you think so?

-Yeah! Means I wasn't wrong about you.

sábado, março 10, 2007

Siri Hustvedt


Aquilo Que Eu Amava
Nunca li um livro que me fizesse ter tantas insónias. Noites e noites sem dormir, a pensar. Uma enorme vontade de criar - plasticamente: eu não pinto nem produzo arte. Mas todas as noites fechei o livro a imaginar telas que poderia pintar.
Fala sobre o Amor - várias formas diferentes de amor - e Perda.
A perda das raízes no Holocausto. A perda do Amor incondicional, que arrasta o amor-paixão para o ódio e depois o vazio. Um amor devaneio que continua a ser o nada - uma alma fraca, as cores de uma personalidade cinzenta que se vão esbatendo. Um amor descoberto e desenvolvido, destruído pela desconfiança. A Morte na Amizade profunda entre dois homens.
Por fim, o Amor de sempre, o verdadeiro, confessado no calor da discussão e não correspondido.
New York.A arte liga todas as personagens. Tríade artística: Criador, Modelo, Espectador. É o triângulo que se mantém ao longo de toda a história, mesmo depois da morte.
A criação lembra-me a minha irmã Filipa: estórias contadas em cubos; poderiam ter sido pensadas por ela.
Epidemias sociais ao longo da História.
Li este livro em duas semanas, parece que estive a lê-lo a vida inteira. Foi aqui que nasceu a minha decisão por Paris. Foi esta história que me atraiu para os "Contos de Fadas": o que está por trás de cada história? O livro que vou começar a ler amanhã foi comprado há quatro dias, só por causa desta inspiração para estudar a "moral da história".
Livros que levam a livros.
Cresci nestas duas semanas. Descobri Aquilo Que Eu Quero Amar. Sem pensar especialmente nisso, agora sou capaz de dizer que toda a actividade criativa em Aquilo Que Eu Amava manteve o meu cérebro a funcionar mesmo quando não estava a ler, a planear tudo o que eu quero fazer, tudo o que percebi que posso perfeitamente fazer: estudar qualquer coisa só pelo curiosidade de conhecer, viajar sozinha, viver numa capital europeia muito cosmopolita, conhecer primeiro a minha cidade - não só a escola, não só a noite, não só o metro: aquilo que visita quem vem para conhecer).
É tudo isto que me vai fazer crescer, tornar-me na mulher que quero ser.
Não sei se é um exagero, não sei se tem a ver com uma fase qualquer por que esteja a passar, mas foi dos livros mais inspiradores que li até hoje.
Foi a primeira vez que chorei no comboio, sem reservas, por causa de um livro.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007


Sim, é verdade! Hoje eu declarei o manifesto anti-dia-dos-namorados. E nem tem nada a ver com anti consumismos. Foi quase quase anti namorados, mas como até ja fui acusada de insegurança por dizer que detesto gente feliz e apaixonada (quem não detesta??), decidi contrariar esta ideia. Eu até posso ser insegura, e claro que estou a brincar quando digo que não gosto de pessoas felizes. Há quem possa não acreditar, mas eu tenho muito amor. A sério, tenho verdadeiras paixões por imensa gente!
Amo a Mãe e o Pai, amo as minhas irmãs, I., F., M., L., cada uma da sua maneira, nenhuma mais do que outra (amo um embrião de 3 meses e meio de que já conheço o perfil, é um amor!!). Amo duas avós, T. e M., e respectivos maridos, o avô D. e o avô C. que está no céu. Amo tios e primos de maneiras diferentes e também com intensidades diferentes, confesso. Mas não excluo nenhum (e as iniciais são mais que muitas!). Amo as duas pessoas que equilibram, de fora, o meu ecossistema: L. e tio D.
Amo os meus amigos! Mas tanto tanto!! M., G., P., B., A., M., PD., E., D., S. e I., por mais tempo que passe e distância que acumule, F., a mesma coisa, S., MJ. Adoro todos! Amo os meus ex-namorados, por muitas lágrimas que me tenham deixado - ou eu a eles -, por tudo o que aprendi com a passagem de cada um na minha vida. Amo até os meus inimigos: às maldades, eu respondo com Amor!
Amo a Vera que sou! Posso dizer isto com toda a segurança, adoro-me! E adoro esse amor que me tenho, porque é ele que me deixa gostar tanto de todas as pessoas que adoro.
Bom dia dos namorados para todos

quarta-feira, janeiro 17, 2007


[VAZIO]
não é um problema